25 de maio de 2025
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“The Last of Us 2×06”: o estranho amor egoísta do apocalipse

Entre memórias, dores e segredos, o sexto episódio mergulha nos anos silenciosos entre Joel e Ellie em Jackson.
20 de maio de 2025
Cena no museu, com Ellie e Joel.
Cena no museu, com Ellie e Joel. Foto: reprodução.

Foi ao ar o sexto episódio da segunda temporada de The Last of Us. Faltando apenas um episódio para encerrar a temporada, já podemos dizer que esta temporada foi irregular, indo de um capítulo épico, o segundo, em que ocorre o grande evento da temporada, até os demais, com uma Ellie boboca e sem muita profundidade. Este sexto episódio foi um ótimo episódio. E isso muito provavelmente tem a ver com a presença de Pedro Pascal, que retorna, em flashback, durante os quase 60 minutos. O ator domina o personagem e a série volta a falar para o público adulto.

Dirigido por Neil Druckmann, o episódio é composto quase inteiramente por flashbacks que exploram os anos que Joel e Ellie passaram juntos em Jackson, Wyoming, entre as temporadas um e dois. A narrativa acompanha os aniversários de Ellie dos 15 aos 19 anos, destacando momentos significativos que moldaram a relação entre ela e Joel. Entre esses momentos, destaca-se a visita ao Museu de História Natural de Wyoming, onde Joel presenteia Ellie com uma experiência simbólica de uma viagem espacial, recriando uma das cenas mais emocionantes do jogo.

Ellie e Joel em patrulha, próximo de Jackson. Foto: reprodução.

Conforme Ellie amadurece, surgem tensões entre ela e Joel, especialmente após um incidente em seu 17º aniversário, quando Joel reage negativamente ao encontrar Ellie com sua namorada Kat, questionando se aquilo era “apenas uma fase”. Esses conflitos refletem a dificuldade de Joel em lidar com a crescente independência de Ellie.

A relação entre os dois se deteriora ainda mais após a morte de Eugene, um amigo próximo que é mordido por um infectado. Joel promete a Eugene que permitirá que ele se despeça de sua esposa, Gail, mas acaba matando-o antes disso, mentindo sobre o ocorrido. Ellie descobre a verdade e confronta Joel, o que culmina em uma discussão intensa na varanda de sua casa. Durante essa conversa, Joel finalmente admite que mentiu sobre os eventos em Salt Lake City, confessando que matou os Vagalumes para salvá-la, mesmo sabendo que isso impediu a possível criação de uma cura.

Verdade e perdão

Neste episódio, verdade e perdão estão no centro da narrativa. A morte de Eugene mostra bem isso. Joel mata o colega de comunidade porque queria eliminar qualquer traço de ameaça para Ellie, mesmo ele tendo tempo e mesmo ele prometendo a Ellie. Joel foi, assim, extremamente egoísta. Mas egoísta, agora, num nível diferente. Se em Salt Lake City, cinco anos antes, ele havia sido egoísta em detrimento do mundo inteiro, agora, no presente, ele foi egoísta em detrimento do mundo de Eugene e Isabela. Nas duas, o desconforto do espectador foi imenso. Eu fiquei pensando: esse Joel egoísta não seria uma ameaça para as pessoas? Esse estranho (e matador) amor no apocalipse, eivado em egoísmo e violência, fez mais vítimas.

Do ponto de vista da narrativa, “O preço” é uma quebra de clímax, pois Ellie e Dina, em Seattle, ficam em stand by. Mas, por outro lado, o episódio dá algumas pistas do que pode rolar no próximo e derradeiro episódio desta temporada. Um dia antes de sua fatal patrulha, em 2029, Joel conta na varanda de casa o que aconteceu de verdade em Salt Lake City. Ellie diz que está muito magoada, mas disposta a superar. E os dois, de uma forma meio difusa, parecem se reconciliar. A questão é: estaria Ellie disposta também a superar seu ódio por Abby?

O trailer do último episódio mostra que pode ser esse realmente o caminho da trama. Numa cena rápida, Jesse diz a ela que não quer morrer numa guerra que não é dele. Ora, está colocada, deste modo, a decisão de Ellie: arrastar a todos, de forma egoísta, em sua vingança, ou superar o passado e seguir adiante com sua vida?

Direito ao ressentimento

O que eu acho disso tudo? Bom, desde o início, como disse nas críticas dos demais episódios, a jornada de Ellie e Dina é completamente despropositada, pelos riscos. E pouco verossímil, já que, em dupla, eram para ter sido mortas assim que chegaram a Seattle. Sabendo que arrastaram mais gente de Jackson para essa jornada, a decisão certa seria esquecer tudo e voltar para casa.

Porém, se Ellie estiver cara a cara com Abby, não me parece nem um pouco decente que ela deixe a moça escapar com vida, depois do que ela fez. Abby esmagou a cabeça de Joel de forma odiosa. A falta desse tipo de retribuição é o que me irritou demais em The Walking Dead, quando Rick perdoou Negan, que esmagou a cabeça do seu amigo Glenn. Não estou aqui pregando a violência como a solução para o meio social, mas procurando entender o que se passa na alma daqueles que sofreram uma dor tão grande e devem, em alguma medida, ter direito ao ressentimento.

Earth Abides

Outra coisa legal desse episódio é o tributo que a série paga a Earth Abides. Na cena em que Joel procura Isabela, a psicóloga está lendo o livro Earth Abide. “Earth Abides” é um romance de ficção científica pós-apocalíptico escrito por George R. Stewart e publicado em 1949. A obra é considerada um clássico do gênero e influenciou profundamente narrativas posteriores sobre o colapso da civilização, incluindo livros, filmes e séries como The Road e The Last of Us.

A história acompanha Isherwood “Ish” Williams, um estudante de geografia que sobrevive a uma pandemia global devastadora (provavelmente causada por um vírus). Ao sair de um período de isolamento nas montanhas, Ish descobre que a maior parte da humanidade foi dizimada.

Cena de The Last of Us.
Earh Abides nas mãos de Isabela. Foto: reprodução.

Ish inicia uma jornada pelos Estados Unidos para observar o impacto do desaparecimento humano e, posteriormente, tenta reconstruir alguma forma de civilização com os poucos sobreviventes que encontra. O livro foi pioneiro ao tratar de temas que hoje são comuns na ficção distópica, e até hoje é estudado por seu olhar profundo sobre a fragilidade da civilização humana.

Ano passado, o livro foi adaptado para a TV com uma minissérie lançada em 1º de dezembro pelo canal MGM+. É muito boa!

Leia mais críticas de The Last of Us aqui.

Bruno Leal

Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. É editor do portal Café História e colabora esporadicamente para o Bonecas Russas.

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