A The New York Review of Books é uma das revistas culturais mais influentes dos Estados Unidos, reconhecida por combinar ensaios profundos, críticas literárias e debates intelectuais de alto nível. Em sua edição de outubro, três livros de história ganham destaque: Massacre in the Clouds: An American Atrocity and the Erasure of History, de Kim A. Wagner; Motherland: A Feminist History of Modern Russia, from Revolution to Autocracy, de Julia Ioffe; e 38 Londres Street: On Impunity, Pinochet in England, and a Nazi in Patagonia, de Philippe Sands.
Em Massacre in the Clouds, o historiador Kim A. Wagner resgata um episódio brutal da história dos Estados Unidos: o massacre de Bud Dajo, ocorrido em 1906 nas Filipinas. Cerca de mil homens, mulheres e crianças da etnia moro foram mortos por tropas americanas no topo de um vulcão extinto. O evento foi celebrado na época como uma vitória militar, inclusive pelo então presidente Theodore Roosevelt, mas vozes dissidentes como Mark Twain e W.E.B. Du Bois denunciaram o ocorrido como uma atrocidade. Apesar de documentado por fotografias, o massacre desapareceu da memória coletiva americana — e é essa negligência histórica que Wagner busca confrontar com rigor e sensibilidade.
O autor transforma uma única imagem de arquivo em um poderoso instrumento de recuperação histórica. O livro se junta a um movimento mais amplo que visa reinserir no debate público os episódios de violência sistematicamente excluídos da historiografia oficial dos EUA.
Em 38 Londres Street: On Impunity, Pinochet in England, and a Nazi in Patagonia, o jurista e autor Philippe Sands investiga dois casos emblemáticos de impunidade no século XX: a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet em Londres, em 1998, e a fuga do ex-oficial nazista Walter Rauff para o Chile, décadas antes. Rauff foi o criador dos caminhões de gás usados para exterminar judeus durante o Holocausto, e Pinochet, responsável por torturas e assassinatos durante a ditadura militar chilena. Ambos viveram em relativa tranquilidade no Chile por anos.
A partir da rua “Londres 38”, antiga prisão e centro de tortura da ditadura chilena, Sands reconstrói uma narrativa poderosa sobre a persistência da impunidade e o papel do direito internacional na responsabilização de criminosos de Estado. O livro funciona como uma combinação habilidosa de ensaio memorialístico, narrativa de tribunal e viagem investigativa. Como escreve o crítico Patrick Radden Keefe: “Sands criou uma obra indelével e envolvente de testemunho moral”.
Em Motherland, a jornalista Julia Ioffe mergulha na história da Rússia moderna a partir da experiência das mulheres, traçando um arco que vai da Revolução de 1917 até o regime autoritário de Vladimir Putin. Filha de judias soviéticas, Ioffe mistura memórias pessoais com análises históricas e jornalísticas, apresentando um panorama do que a URSS prometeu às mulheres — educação, trabalho, participação pública — e do que, no fim, efetivamente entregou.
Da presença feminina no front da Segunda Guerra Mundial às campanhas feministas do século XXI, passando por figuras como Nadejda Krupskaia, Valentina Tereshkova e as integrantes do grupo Pussy Riot, a autora questiona como um Estado que se dizia “vanguarda do feminismo” se transformou em símbolo do conservadorismo patriarcal.