Mais de vinte anos após a adoção das cotas no ensino superior, muito ainda há que ser feito para que a universidade e o mercado de trabalho apresentem condições mais igualitárias entre brancos e não-brancos. Mas os avanços são inegáveis e importantíssimos. Um novo livro revela como essas políticas mudaram o perfil das universidades públicas no Brasil. Organizado pelos sociólogos Luiz Augusto Campos (IESP-UERJ) e Márcia Lima (USP), O Impacto das Cotas: Duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro reúne mais de 30 artigos de especialistas de todo o país e oferece a análise mais ampla já feita sobre o tema.
A pesquisa, fruto da articulação entre oito centros de estudos, mostra que a presença de estudantes pretos, pardos e indígenas passou de 31,5% em 2001 para 52,4% em 2021. O mesmo aconteceu com os alunos das classes D e E, que deixaram de ser minoria. Esses avanços ganharam fôlego com a Lei nº 12.711/2012, atualizada em 2023 para ampliar o alcance dos auxílios estudantis e reforçar que cotistas também disputem vagas na ampla concorrência.
O livro rebate um dos principais argumentos contrários às cotas: o suposto baixo desempenho acadêmico dos cotistas. Dados de instituições como UFMG, UFRJ e UFSC mostram que, apesar de notas iniciais ligeiramente menores no Enem, os cotistas alcançam rendimento equivalente ao longo do curso. As taxas de evasão também se mantêm semelhantes entre cotistas e não cotistas, com destaque para a vulnerabilidade de homens negros — um dado que reforça a urgência de políticas de permanência.
Percorrendo a trajetória das ações afirmativas no Brasil, os autores examinam o que já foi alcançado, apresentam dados sobre desempenho acadêmico, impactos nas universidades públicas e privadas, permanência e evasão de estudantes cotistas e aponta caminhos para a continuidade das cotas, incluindo mudanças propostas na legislação e a necessidade de políticas complementares.
Outro destaque da obra é o mapeamento das diferentes experiências institucionais: da Uerj, pioneira nas cotas raciais, à Unicamp, que só implementou a política em 2017 após anos de bonificação com resultados tímidos. Casos como o da UFSC, que atingiu paridade racial em 2020, ilustram a força das cotas como ferramenta de inclusão.
Mais que garantir acesso, o livro mostra ainda que as ações afirmativas transformaram o ambiente universitário: impulsionaram novas linhas de pesquisa, revisaram currículos e valorizaram saberes plurais. Como resume a educadora Nilma Lino Gomes no prefácio: “As cotas não apenas abrem portas. Elas mudam os espaços por dentro. Elas introduzem novos sujeitos, novos saberes e formas plurais de produzir ciência.”
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