25 de outubro de 2025
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Entenda a famosa “foto do marinheiro beijando uma garota”

Símbolo do fim da Segunda Guerra Mundial, a famosa foto do marinheiro beijando uma garota na Times Square esconde uma história complexa: o registro espontâneo de Alfred Eisenstaedt mostra um beijo que não foi consentido e que, décadas depois, levantou debates sobre memória, gênero e celebração da vitória.
24 de outubro de 2025
O famoso beijo. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Em 14 de agosto de 1945, o Japão anunciou sua rendição e a Segunda Guerra Mundial finalmente chegou ao fim. Milhares de norte-americanos tomaram as ruas para celebrar o retorno da paz. Na Times Square, em Nova York, um marinheiro eufórico tascou um beijo numa moça vestida de branco. Com um braço, ele segurava firme a nuca dela; com o outro, a imobilizava pela cintura, inclinando-lhe o corpo — uma cena digna de Casablanca.

O fotógrafo Alfred Eisenstaedt, da revista LIFE, ex-combatente da Primeira Guerra Mundial, quase morto em Flandres, registrou o momento em meio ao carnaval espontâneo que tomava a cidade. Duas semanas depois, a imagem foi publicada na LIFE entre outras fotos de beijos celebrando o “V-J Day in Times Square” (“Dia da Vitória sobre o Japão na Times Square”). Nenhuma delas, porém, alcançou a fama daquela.

A fotografia de Eisenstaedt se tornou um símbolo universal do fim da guerra. Ainda assim, uma pergunta persistiu por décadas: quem eram os protagonistas do beijo?

Como os rostos estavam parcialmente ocultos, a identidade do casal permaneceu um mistério. O próprio Eisenstaedt foi incessantemente questionado, mas ele também não sabia. Diversas pessoas afirmaram ser os retratados, sem haver provas convincentes. O mesmo beijo foi registrado por outro fotógrafo, Victor Jorgensen, de um ângulo diferente, mas também sem revelar claramente quem eram.

Até os anos 1980, acreditava-se que a mulher fosse a enfermeira Edith Shain, que desfrutou por anos da fama autoproclamada, sendo presença constante em eventos e entrevistas. O enigma só pareceu resolvido em 2012, quando os pesquisadores Lawrence Verria e George Galdorisi publicaram The Kissing Sailor: The Mystery Behind the Photo That Ended World War II (ainda sem tradução para o português). Com base em análises periciais, reconhecimento facial e outros dados, eles concluíram que o marinheiro era George Mendonsa (1923–2019) e a mulher, Greta Zimmer Friedman (1924–2016).

Greta Zimmer é beijada pelo marinheiro George Mendonsa, na comemoração do término da Segunda Guerra. momento registrado por Victor Jorgensen, do governo dos Estados Unidos — Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Apesar da aparência, Friedman não era enfermeira, mas assistente odontológica, e o beijo — hoje amplamente reconhecido — não foi consentido.

Suas histórias

George Mendonsa nasceu em Newport, nos Estados Unidos, em uma família de pescadores portugueses. Ingressou na Marinha em 1942, lutou no Pacífico e sobreviveu a um tufão que matou centenas de marinheiros. Greta Zimmer Friedman era judia e nasceu na Áustria; perdeu os pais no Holocausto e conseguiu escapar para os Estados Unidos aos 15 anos.

Alfred Eisenstaedt (Eisie) autografando uma gravura do “Dia da Vitória sobre o Japão” na tarde de 23 de agosto de 1995, para seu amigo, William Waterway Marks. O local é a cabana de férias de Eisie, localizada no Menemsha Inn, na ilha de Martha’s Vineyard. Eisie morreu na cabana cerca de oito horas depois, pouco depois da meia-noite, em 24 de agosto de 1995, na companhia de sua cunhada, Lucille Kaye, e William Waterway Marks. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Naquele 14 de agosto de 1945, Mendonsa estava de licença, assistindo a um filme no Radio City Music Hall, em Manhattan, acompanhado de sua futura esposa, Rita Petry, que havia conhecido por meio da irmã. Subitamente, a sessão foi interrompida por gritos vindos das ruas: “A guerra acabou!”. As luzes se acenderam, e a multidão tomou as avenidas. O casal se juntou à celebração.

“Eu vi uma enfermeira descendo”, recordou Mendonsa. “Tomei alguns drinques e foi puro instinto, acho. Simplesmente a agarrei.” Em entrevistas posteriores, justificava: “As pessoas dizem: ‘Você estava num encontro e agarrou a enfermeira’. Eu respondo: ‘Pelo amor de Deus, a guerra acabou!’”. Rita, sua futura esposa, contou à CNN que se incomodou com as críticas, lembrando que estava ao lado dele naquele momento.

Greta Friedman, por sua vez, só descobriu a existência da foto duas décadas depois. Escreveu à LIFE pedindo uma cópia, mas recebeu uma negativa — muitos faziam o mesmo pedido. Em 2005, deu um depoimento ao Veterans History Project, do Congresso dos EUA, no qual contou que caminhava até a Times Square quando foi subitamente agarrada por um marinheiro.

“Não foi exatamente um beijo”, disse ela. “Foi mais um ato de júbilo por ele não ter que voltar à guerra. Ele era muito forte. Apenas me abraçou com força. Não foi algo romântico. Era só… ‘Graças a Deus, a guerra acabou’.”

Mendonsa viu a foto pela primeira vez em 1980, quando um amigo o reconheceu e o avisou. Chegou a considerar processar a revista por uso não autorizado, mas desistiu. Até sua morte, concedeu diversas entrevistas relembrando aquele dia.

A polêmica recente

Em 2024, a discussão sobre o caráter não consensual do beijo reacendeu nas redes sociais. A icônica foto de Eisenstaedt passou a ser reinterpretada como símbolo de comportamento impróprio e gatilho para debates éticos e morais sobre o corpo e o consentimento das mulheres.

O caso, contudo, também revela algo mais amplo sobre aquele momento histórico: em meio à euforia do fim da guerra, muitos outros homens fizeram o mesmo — beijaram desconhecidas nas ruas como expressão de vitória, sem se dar conta de que transformavam essas mulheres em troféus involuntários da celebração.

Bruno Leal

Bruno Leal

Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. É editor do portal Café História e colabora esporadicamente para o Bonecas Russas.

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