Em 14 de agosto de 1945, o Japão anunciou sua rendição e a Segunda Guerra Mundial finalmente chegou ao fim. Milhares de norte-americanos tomaram as ruas para celebrar o retorno da paz. Na Times Square, em Nova York, um marinheiro eufórico tascou um beijo numa moça vestida de branco. Com um braço, ele segurava firme a nuca dela; com o outro, a imobilizava pela cintura, inclinando-lhe o corpo — uma cena digna de Casablanca.
O fotógrafo Alfred Eisenstaedt, da revista LIFE, ex-combatente da Primeira Guerra Mundial, quase morto em Flandres, registrou o momento em meio ao carnaval espontâneo que tomava a cidade. Duas semanas depois, a imagem foi publicada na LIFE entre outras fotos de beijos celebrando o “V-J Day in Times Square” (“Dia da Vitória sobre o Japão na Times Square”). Nenhuma delas, porém, alcançou a fama daquela.
A fotografia de Eisenstaedt se tornou um símbolo universal do fim da guerra. Ainda assim, uma pergunta persistiu por décadas: quem eram os protagonistas do beijo?
Como os rostos estavam parcialmente ocultos, a identidade do casal permaneceu um mistério. O próprio Eisenstaedt foi incessantemente questionado, mas ele também não sabia. Diversas pessoas afirmaram ser os retratados, sem haver provas convincentes. O mesmo beijo foi registrado por outro fotógrafo, Victor Jorgensen, de um ângulo diferente, mas também sem revelar claramente quem eram.
Até os anos 1980, acreditava-se que a mulher fosse a enfermeira Edith Shain, que desfrutou por anos da fama autoproclamada, sendo presença constante em eventos e entrevistas. O enigma só pareceu resolvido em 2012, quando os pesquisadores Lawrence Verria e George Galdorisi publicaram The Kissing Sailor: The Mystery Behind the Photo That Ended World War II (ainda sem tradução para o português). Com base em análises periciais, reconhecimento facial e outros dados, eles concluíram que o marinheiro era George Mendonsa (1923–2019) e a mulher, Greta Zimmer Friedman (1924–2016).

Apesar da aparência, Friedman não era enfermeira, mas assistente odontológica, e o beijo — hoje amplamente reconhecido — não foi consentido.
Suas histórias
George Mendonsa nasceu em Newport, nos Estados Unidos, em uma família de pescadores portugueses. Ingressou na Marinha em 1942, lutou no Pacífico e sobreviveu a um tufão que matou centenas de marinheiros. Greta Zimmer Friedman era judia e nasceu na Áustria; perdeu os pais no Holocausto e conseguiu escapar para os Estados Unidos aos 15 anos.

Naquele 14 de agosto de 1945, Mendonsa estava de licença, assistindo a um filme no Radio City Music Hall, em Manhattan, acompanhado de sua futura esposa, Rita Petry, que havia conhecido por meio da irmã. Subitamente, a sessão foi interrompida por gritos vindos das ruas: “A guerra acabou!”. As luzes se acenderam, e a multidão tomou as avenidas. O casal se juntou à celebração.
“Eu vi uma enfermeira descendo”, recordou Mendonsa. “Tomei alguns drinques e foi puro instinto, acho. Simplesmente a agarrei.” Em entrevistas posteriores, justificava: “As pessoas dizem: ‘Você estava num encontro e agarrou a enfermeira’. Eu respondo: ‘Pelo amor de Deus, a guerra acabou!’”. Rita, sua futura esposa, contou à CNN que se incomodou com as críticas, lembrando que estava ao lado dele naquele momento.
Greta Friedman, por sua vez, só descobriu a existência da foto duas décadas depois. Escreveu à LIFE pedindo uma cópia, mas recebeu uma negativa — muitos faziam o mesmo pedido. Em 2005, deu um depoimento ao Veterans History Project, do Congresso dos EUA, no qual contou que caminhava até a Times Square quando foi subitamente agarrada por um marinheiro.
“Não foi exatamente um beijo”, disse ela. “Foi mais um ato de júbilo por ele não ter que voltar à guerra. Ele era muito forte. Apenas me abraçou com força. Não foi algo romântico. Era só… ‘Graças a Deus, a guerra acabou’.”
Mendonsa viu a foto pela primeira vez em 1980, quando um amigo o reconheceu e o avisou. Chegou a considerar processar a revista por uso não autorizado, mas desistiu. Até sua morte, concedeu diversas entrevistas relembrando aquele dia.
A polêmica recente
Em 2024, a discussão sobre o caráter não consensual do beijo reacendeu nas redes sociais. A icônica foto de Eisenstaedt passou a ser reinterpretada como símbolo de comportamento impróprio e gatilho para debates éticos e morais sobre o corpo e o consentimento das mulheres.
O caso, contudo, também revela algo mais amplo sobre aquele momento histórico: em meio à euforia do fim da guerra, muitos outros homens fizeram o mesmo — beijaram desconhecidas nas ruas como expressão de vitória, sem se dar conta de que transformavam essas mulheres em troféus involuntários da celebração.