Acabou de entrar no catálogo da Amazon Prime Vídeo um dos melhores filmes de terror de 2024: “Herege” (no original, “Heretic”), dirigido por Scott Beck e Bryan Woods, e com atuação sublime de Hugh Grant. O filme também tem no elenco duas jovens atrizes promissoras: Sophie Thatcher, de 24 anos, e Chloe East, também de 24 anos. Distribuído pela ótima A24, o filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto em setembro de 2024 e chegou aos cinemas em novembro do mesmo ano.
Duas jovens missionárias mórmons, Sister Barnes (Sophie Thatcher) e Sister Paxton (Chloe East), dedicam-se a espalhar sua fé porta a porta. Durante uma de suas visitas, são recebidas por Mr. Reed (Hugh Grant), um homem carismático e aparentemente interessado em suas crenças. Ele mora uns 10 km afastado da cidade, em uma casa grande e bonita. As duas foram até ele, porque o próprio solicitou a visita a igreja.
Assim que as duas chegam até a casa de bicicleta, o tempo começa a mudar, com chuva forte e, em seguida, neve. Mr. Reed as convida a entrar. Elas, no entanto, dizem que não podem ficar sozinhas com ele – a religião (e questões de segurança) não permite. Ele então diz que a sua esposa está em casa assando uma torta. Elas se sentem aliviadas e entram na casa.
Sentadas no sofá, começa uma conversa cordial, mas que rapidamente se transforma em um jogo psicológico perturbador. Mr. Reed parece esconder alguma coisa. Elas tentam, então, sair da casa, mas percebem que estão presas. A porte não abre. As janelas são seladas, pequenas, e o celular não tem sinal, já que as paredes possuem metais, bloqueando qualquer comunicação com o exterior. Presas na casa de Mr. Reed, as missionárias enfrentam conversas desafiadoras, sobre a origem das religiões, jogos capitalistas e outros tópicos e desafios que testam não apenas sua fé, mas também sua sanidade e sobrevivência.
O filme explora questões profundas sobre fé, doutrina religiosa e manipulação, desafiando o espectador a refletir sobre as fronteiras entre crença e coerção. Mr. Reed é um herege fundamentalista, com traços evidentes de psicopatia. Ele está obcecado em demonstrar que as religiões são falsas, cópias mal feitas umas das outras, e que, se são efetivas, isso se dá por um único elemento: manipulação e controle.
Hugh Grant brilha em “Herege”
Hugh Grant nunca foi um mau ator. Pelo contrário, conseguiu entregar ao longo de sua carreira atuações bastante consistentes. Mas ele nunca foi de brilho intenso. Esse brilho, porém, ele entrega em “Herege”. Grant se destaca do início ao fim. É como aquele centroavante em uma fase iluminada que faz três gols no jogo. Seu psicopata é um ser contido e violento, misterioso e conversador, simpático e esquisitão. Parece, no início, bobo, mas revela-se muito inteligente.
O filme não conta a vida pregressa do personagem. O que teria acontecido exatamente para que ele tivesse chegado àquele ponto? Sabemos apenas que ele estudou muitas religiões. É que percebeu repetições de padrões. Podemos inferir, contudo, que ele teve um grande desgosto, talvez uma grande perda (será da esposa?), que o fez criar um ódio profundo por religião e religiosos, e particularmente de evangelizadores.
As duas atrizes também estão muitíssimo bem. Os diálogos são inteligentes e provocadores. E que angústia que dá a cada nova cena, em que vamos tateando, como as personagens, o que vem a seguir. “Herege”, assim”, vale por cada cena. É um terror diferente e autêntico.
Uma das cenas mais interessantes, mas que pode passar despercebida, envolve o personagem secundário “Elder Kennedy”, vivido por Topher Grace. Esse mórmon é o único que sabe onde as duas colegas de Igreja estão. Preocupado com o sumiço de ambas, ele vai até a casa de Mr. Reed. E nós temos, como espectadores, certeza de que ele percebeu algo de errado. Principalmente depois que ele fala com Mr. Reed na porta da casa. Kennedy faz um olhar de desconfiança, vai embora e depois volta, dizendo a Mr Reed se ele conhece os panfletos da igreja. ‘Desculpe, eu não podia deixar essa oportunidade passar”. Isso nos faz pensar: “maravilha, ele sacou! E voltou com essa desculpa”. Acontece que não era desculpa. Ele só tentou realmente fazer mais uma conversão no seu dia. Estava cego pela fé.
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