12 de setembro de 2025
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Saiba quais livros de história foram citados pela ministra Cármen Lúcia no julgamento do 8 de janeiro

Em seu voto decisivo no STF que condenou Bolsonaro e outros réus por tentativa de golpe, a ministra recorreu às obras A Máquina do Golpe e Utopia Autoritária Brasileira para embasar sua visão sobre a continuidade de padrões autoritários na história do Brasil.
12 de setembro de 2025
Cármen Lúcia por Marcelo Camargo, da Agência Brasil.

Ontem, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o histórico julgamento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus foram condenados por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. O voto decisivo da ministra Cármen Lúcia foi elogiado pela clareza, consistência e fundamentação jurídica, política e histórica. Em seu longo discurso, ela fez referência a pelo menos dois livros de historiadores que ajudam a situar o golpe não como um ato isolado, mas como desdobramento de tradições autoritárias no Brasil.

O primeiro foi A Máquina do Golpe, da historiadora Heloísa Starling, publicado pela Cia das Letras, citado pela Ministra ao afirmar que os atos de 8 de janeiro não foram espontâneos ou pontuais, mas parte de um mecanismo que vem sendo montado ao longo do tempo para abalar instituições democráticas. A ministra disse que o livro mostra que “não se faz um golpe em um dia. E o golpe não acaba em uma semana, nem em um mês”, ressaltando que há processos prévios e sustentados que alimentam essas rupturas.

O segundo livro foi Utopia Autoritária Brasileira, de Carlos Fico, publicado pelo Selo Crítica, mencionado indiretamente quando Cármen Lúcia falou do historiador como alguém que analisa essas tendências persistentes – o intervencionismo militar, o desprezo pela política e o acreditar que a sociedade “não está preparada” para se governar –, precisando supostamente de tutela militar, traços que Fico descreve como constitutivos de uma cultura autoritária no Brasil.

Fico e Starling estão entre os principais historiadores do período republicano brasileiro. Fico é professor do Instituto de História da UFRJ, enquanto Starling é professora do Departamento de História da UFMG. Ambas as obras ganham destaque não apenas pelo valor acadêmico, mas por oferecerem enquadramentos históricos que ajudam a entender o presente. A Máquina do Golpe aprofunda como discursos, atores e instituições se preparam para rupturas democráticas, enquanto Utopia Autoritária Brasileira faz um panorama amplo de como tais rupturas têm raízes históricas persistentes no país, baseadas na ideia de tutela militar.

O julgamento

O julgamento em si foi concluído nesta quinta-feira, 11 de setembro de 2025. A Primeira Turma do STF formou maioria de 4 votos a 1 para condenar Bolsonaro e os demais réus pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O único voto divergente foi de Luiz Fux.

Cármen Lúcia abriu seu voto evocando que esse é um julgamento que “pulsa o Brasil que me dói”, conectando passado, presente e futuro ao afirmar que o país atravessa, por vezes, rupturas legais e democráticas. Em seu discurso, ela conclamou pela aplicação plena da lei, sem exceções, para aquelas pessoas acusadas de arquitetar e executar atos que atentam contra a ordem constitucional.

“A procuradoria fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legitima de poder nas eleições de 2022, minar o exercício dos demais poderes constituídos, especialmente o Poder Judiciário”, disse.

A escolha de mencionar esses livros pode ser vista como uma estratégia de fundamentar o voto não apenas em provas e leis, mas em uma narrativa histórica, interligando os eventos recentes com processos anteriores que no Brasil institucionalizaram comportamentos de deslegitimação de instituições democráticas.

Bruno Leal

Bruno Leal

Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. É editor do portal Café História e colabora esporadicamente para o Bonecas Russas.

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