Em 1959, uma jovem professora de ciências foi expulsa de uma cidade no interior de São Paulo por ensinar a teoria da evolução das espécies. O motivo? Enfrentar, em sala de aula, o conservadorismo religioso de uma comunidade profundamente católica. A professora era Niède Guidon, falecida na madrugada desta quarta-feira, 4 de junho, aos 92 anos. E esse episódio marca o ponto de partida do novo podcast biográfico “Os Caminhos de Niède Guidon” – produzido em 2024 – que promete jogar luz sobre a trajetória de uma das figuras mais fascinantes e polêmicas da ciência brasileira.
Com oito episódios, o podcast é conduzido pela jornalista e roteirista Kelly Cristina Spinelli. A proposta é recontar, com rigor narrativo e sensibilidade, a jornada da arqueóloga que dedicou a vida ao Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e colocou o Brasil no centro de debates internacionais sobre a ocupação das Américas. Mas a série vai além da descoberta arqueológica: trata-se também de uma crônica sobre resistência, coragem e enfrentamento.
A produção mergulha em arquivos, entrevistas e relatos para revelar como Niède enfrentou não apenas a descrença acadêmica, mas também o boicote de governos, as pressões ideológicas e até ameaças de morte. O podcast reconstitui momentos decisivos — como o embate com autoridades que desdenhavam da ciência e a luta pela preservação de sítios milenares —, ao mesmo tempo, em que revela os dilemas íntimos de uma mulher determinada a fazer história.
Aos 92 anos
A arqueóloga Niède Guidon faleceu na madrugada desta quarta-feira (4), aos 92 anos. Reconhecida internacionalmente, dedicou mais de cinco décadas ao estudo da pré-história brasileira, especialmente na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, que ajudou a transformar em um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo.
Nascida em Jaú (SP), em 1933, Guidon formou-se em História Natural pela USP e concluiu doutorado em arqueologia pré-histórica na Sorbonne, em Paris. A partir da década de 1970, liderou escavações no Piauí que desafiaram paradigmas científicos ao apresentar evidências de presença humana nas Américas há mais de 50 mil anos, muito antes do que indicavam as teorias tradicionais. Seu trabalho foi fundamental para que a Serra da Capivara fosse reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1991.