O pintor e escultor italiano Umberto Boccioni costuma ser lembrado por suas obras e pela ironia que cerca a sua morte, em 17 de agosto de 1916. Durante exercícios militares em Chievo, Verona, o cavalo no qual ele estava montado se assustou com o barulho de um caminhão e lançou o seu ocupante ao chão, que bateu fortemente a cabeça. Com o crânio fraturado, Boccioni, então com 33 anos, morreu no dia seguinte, no hospital militar de Verona. A ironia estava no fato de Boccioni, adepto do futurismo, ser um dos mais ardentes interventista na Itália. O artista que tanto sonhara com as batalhas, morreu sem ver combate.
Os futuristas e a guerra
O Futurismo não foi produto da guerra, mas sonhou com ela desde o seu primeiro dia. O famoso movimento artístico e literário italiano nasceu no dia 20 de fevereiro de 1909, quando Filippo Tommaso Marinetti, seu líder, publicou no jornal francês Le Figaro os 20 pontos que compunham o seu histórico Manifesto Futurista. O documento declarava “não haver mais beleza, a não ser na luta” e fazia da guerra uma espécie de poema: “nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher”.
Na virada do século XX, especialmente a partir de 1909, o movimento futurista italiano, liderado por Marinetti (escritor) e apoiado por pintores como Giacomo Balla, Carlo Carrà, Gino Severini e Umberto Boccioni, defendia a exaltação da velocidade, da máquina, da indústria e da vida urbana moderna. Para eles, a pintura não deveria mais copiar a realidade de modo estático, mas sim “traduzir” a sensação de movimento contínuo.
Os adeptos do futurismo exaltavam, por isso, a tecnologia e a energia que viam na vida urbana e industrial. Para o novo mundo do início do século XX, os futuristas queriam entregar uma nova proposta de homem. Suas obras expressavam isso com técnicas de sobreposição de imagens e cores vibrantes – tudo tinha que denotar potência e inovação. Essa ode ao futuro significava uma ruptura com a estética do passado, vista por eles como pobre e academicista. O tradicionalismo precisava ser superado.
E nada melhor, acreditavam eles, do que uma guerra para inaugurar o futuro com que sonhavam. A guerra permitiria a implosão dos velhos padrões estéticos. Marinetti conseguiu sobreviver à guerra, mas Boccioni e outros futuristas, como o arquiteto Antonio Sant’Elia, morto em combate na Oitava Batalha do Isonzo, perto de Gorizia, foram atropelados por ela. “Estamos no último promontório dos séculos! Por que deveríamos olhar para trás, quando o que queremos é derrubar as portas misteriosas do Impossível?”, escreveu Marinetti.
A imagem abaixo se chama “Dinamismo de um ciclista” (Dinamismo di un Ciclista, no original, em italianio). É uma pintura a óleo de 1913 feita por Boccioni. É um exemplo claro dos princípios do futurismo italiano, em especial da fase em que os artistas buscavam quebrar a forma tradicional para captar o movimento, a energia e o dinamismo da vida moderna.
A superfície pictórica está inteiramente preenchida por planos inclinados, fragmentos triangulares e curvas entrelaçadas, sem nenhuma área de repouso estático. Não há um “centro” único de atenção; em vez disso, o olhar é atraído sucessivamente por zonas de cor e linhas que se sobrepõem. As pinceladas rápidas, todas orientadas em direções oblíquas (nem horizontais, nem verticais), dão a impressão de vibração e deslocamento. É como se estivéssemos vendo um objeto ou uma série de formas em movimento acelerado, capturadas em vários instantes sobrepostos.
Modernidade desconectada
Para o historiador Marshall Berman, os futuristas faziam parte de uma terceira geração da modernidade, isto é, uma geração de pessoas que tinham, sem dúvida, dotes intelectuais, mas que havia deixado de perceber algo fundamental da modernidade: a contradição. Os futuristas, segundo a interpretação do historiador norte-americano, enxergavam o moderno apenas como positividade, construção e progresso, esquecendo-se de que o moderno também significava desalento, ansiedade e insegurança.
No fim, o futurismo fracassou como projeto de futuro. O movimento artístico e literário, com boa dose de misoginia, que queria a guerra e que, ao menos em parte, namorou o fascismo no entreguerras, foi engolido por outras vertentes, e pelo próprio academicismo, que não morreu, mas soube reagir, adaptando-se, em vários momentos do século XX. Resta-nos entender, contudo, a força que teve naqueles primeiros anos do século XX.
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