A segunda temporada de The Last of Us apresentou já em seus primeiros episódios um grupo bastante misterioso: os Serafitas. Mas o que é essa comunidade mística de homens e mulheres de cabeça raspada e cicatrizes nas faces? O que seus membros desejam e em que exatamente eles acreditam? Eis que o tentarei responder de forma breve e descomplicada. Para isso, vou recorrer, em grande parte, ao game. Então, saiba que a adaptação para a televisão (que, a propósito, está em promoção na Amazon) pode ter mudado alguma coisa nessa história.
A primeira coisa que precisamos saber é que os Serafitas são também designados por “Cortados” (“Scars”) pelos inimigos, de forma pejorativa. A segunda coisa que precisamos ter em mente é que os membros desta comunidade aderem a uma interpretação radical da pregação de uma profetisa desconhecida. Ela já morreu, mas seus seguidores continuam crentes, seguindo os seus ensinamentos no mundo pós-apocalíptico.
Guiados por rituais de purificação e pelo temor aos “viciados” — infectados pelo fungo Cordyceps —, os Serafitas impõem uma disciplina que se confunde com castigo divino. Eles andam sempre em grupo, são fiéis reciprocamente e admitem novos membros, desde que respeitem às normas e tradições do grupo, como fazer uma marca no rosto, adorar a profetisa e não usar armas de fogo e equipamentos do “velho mundo”.
Origem e Crenças dos Serafitas
Sabe-se que os Serafitas emergiram alguns anos após o surto, quando comunidades isoladas buscaram respostas na religião frente ao caos. A profeta acreditava que a infecção cerebral por Cordyceps era uma punição pelos pecados da humanidade. Ela desenvolveu orações e regras de obediência que deveriam ser seguidas de forma religiosa. Ela também teve uma série de visões. A seita divide o mundo entre os “puros” — seguidores fiéis — e os “impuros”, sejam infectados ou simpatizantes de outras facções. Era de se esperar que esse tipo acontecesse em meio a uma pandemia, não?
Cada membro ostenta cicatrizes brancas pintadas no couro cabeludo, símbolo de renúncia ao ego e sinal de sua devoção. Essa marca é aplicada em cerimônia ritualística que inclui jejum, isolamento e orações. O uso de cânticos guturais e tambores em procissões noturnas reforça o caráter místico: a música funciona como prece e aviso aos “hereges”.
Os Serafitas podem parecer frágeis, já que suas crenças não os permitem usar, por exemplo, armas de fogo e equipamentos tecnológicos, mas eles são bastante perigosos com armas brancas e disciplina. O episódio 4 da série mostra como um Serafita pode resistir às piores das torturas e preparar emboscadas perigosas mesmo com poucos recursos.
A liderança dos Serafitas é descentralizada em conselhos locais, chamados “Igrejas”, que se reportam a um ancião supremo — figura raramente vista pelos seguidores. Embora a profetisa fundadora jamais tenha sido nomeada, elementos de culto lembram cerimônias medievais de penitência, adaptadas ao novo mundo hostil. Sua principal área de concentração é o subúrbio de Seattle. Eles sempre estiveram em pé de guerra com a FEDRA, mas conseguiram fazer um acordo, mas que também foi quebrado, reiniciando os conflitos, e de forma ainda mais violenta.
Conflito Israel-Palestina
Um dado interessante. Em reportagem de 2023 publicado pelo jornal israelense Haaretz, Neil Druckmann, cocriador da série, ao falar sobre a segunda parte do jogo, The Last of Us II, mencionou que sua experiência pessoal no conflito entre Israel e Palestina influenciou a narrativa, embora tenha enfatizado que a história não é uma alegoria direta desse conflito.
“Esses sentimentos, e não a minha luta contra eles, foram a inspiração para o incidente incitante. Mas preciso deixar isso claro porque, novamente, não se baseia em, e não é uma alegoria de, e você não pode apontar para nenhum grupo e dizer: ‘Ah, esse é esse grupo e esse é esse grupo'”, disse Druckmann
Táticas de Combate e Conflitos
No campo de batalha, os Serafitas unem fé e violência. Armados com facões simples, arcos e flechas, atacam furtivamente sob o manto da noite, usando silenciosas emboscadas em florestas e ruínas urbanas. A ausência de armas de fogo em massa reforça o mito de santidade: permitem disparos apenas em cerimônias de “purificação” autorizadas.
Os Cortados realizam patrulhas em duplas ou quartetos para capturar prisioneiros — que serão convertidos pela dor e pela reinterpretação dogmática — ou como sacrifício em oferendas sagradas. Essa abordagem improvisada de guerrilha de pequena escala causa tensão com outras facções, sobretudo os Caçadores de Boston, que controlam territórios próximos e mantêm práticas seculares de autopreservação.
Os Serafitas acreditam que a dissolução do indivíduo no coletivo é a salvação da humanidade. No entanto, nem todos os Serafitas compartilham o mesmo grau de fanatismo. A série deverá apresentar dissidentes que passaram a questionar rituais cruéis, abrindo brechas para alianças inesperadas. Esse conflito interno revela que, mesmo em regimes teocráticos, há espaço para dúvida e resistência, enriquecendo a complexidade dos antagonistas.
Por trás do confronto armado, The Last of Us usa os Serafitas para explorar temas atuais: radicalização, manipulação psicológica e o poder das narrativas religiosas em tempos de crise. A construção visual — trajes rústicos, símbolos brancos em contraste com a vegetação — reforça a sensação de presenciar um culto ancestral em um mundo reinventado pelo apocalipse.
Entender os Serafitas é compreender como a fé pode se transformar em justificação para violência extrema, mas também em mecanismo de união para quem sobrevive num cenário de desespero. Sua presença em The Last of Us não serve apenas ao suspense ou à ação: é um espelho das tensões humanas que persistem, mesmo quando a sociedade organizada já não existe.