2 de junho de 2025
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“The Last of Us 2×07”: final morno de uma temporada decepcionante

Erros estruturais da segunda temporada de The Last of Us se aprofundam e colocam em risco a boa continuidade da série.
27 de maio de 2025
The Last of Us
A cara de Jesse me representa. Foto: reprodução.

Chegou ao fim, no último domingo, a segunda temporada de The Last of Us, a série da HBO inspirada no game mais famoso e rentável de todos os tempos. E o season finale foi como quase toda a temporada: decepcionante e, em alguns trechos, com cenas sem sentido. Desde já, quero deixar claro que eu não conheço os jogos, então, não há aqui qualquer comparação com a narrativa do game – minha crítica ancora-se somente na análise da série.

O sétimo e último episódio da temporada chama-se “Convergência” e possui pouco menos de uma hora de duração. Depois do episódio seis, todo ele com flashback com Joel, retomamos a situação de Ellie e Dina, em Seattle, em busca de Abby e seus amigos da WLF. As duas têm agora, contudo, a companhia de Tommy (Gabriel Luna) e Jesse (Young Mazino).

A partir daqui, com spoilers

O episódio começa com Ellie chegando até o cinema desesperada para saber onde está Dina e como ela está – Ellie praticamente ignora Jesse, que saiu de sua comunidade para ajudá-la em um fim de mundo super perigoso. Jesse, que não é bobo, percebe já que as duas estão tendo um caso. Jesse, que é um ótimo personagem, adulto de verdade, percebe também que Dina está grávida. Ele conclui isso após Dina, que levou uma flechada no meio da perna, recusar-se a beber álcool para mitigar a dor. Ellie acaba confirmando a gravidez quando ela sai com Jesse para a rua.

Dispostos a deixar a cidade, mas não sem antes encontrar Tommy, Ellie e Jesse começam a estudar o mapa local. No meio desse estudo, o rádio que carregam relata uma troca de tiro no cais do porto – um snipper que já matou vários membros da WLF. É claramente Tommy em apuros. Ellie e Jesse saem então para dar apoio ao colega, mas Ellie, egoisticamente, como sempre, ao se tocar do paradeiro de Abby, desiste de ir atrás de seu tio, a sua única família, para concluir sua missão vingativa, deixando Jesse, com toda razão, puto demais. Cada um vai para um lado.

Encurtando a história, Ellie mata Owen e Mel (que está grávida), mas não encontra Abby. Tommy e Jesse a encontram no local do confronto e todos voltam para o cinema. Agora, sim, eles aprontam tudo para deixar a cidade. “Eu não quero e nem posso morrer numa guerra que não é minha”, diz Jesse a Ellie. O rapaz está certíssimo – sabe que é pai e tem tudo a perder.

Mas eis que, de repente, eles escutam gritos no local. Ocorre o clímax do episódio: Abby invade o local, mata Jesse e mantém Tommy como refém. Ellie se rende, implorando pela vida de Tommy e confessando ser a responsável pela morte dos amigos de Abby. Abby, furiosa, aponta a arma para Ellie, e um tiro é disparado, encerrando a cena de forma abrupta e deixando o destino dos personagens em suspense.

Após o confronto, o episódio retorna três dias no tempo, apresentando a perspectiva de Abby. Ela é acordada por Manny no quartel-general da Frente de Libertação de Washington (WLF), indicando que a próxima temporada explorará sua jornada durante os eventos paralelos aos de Ellie. Essa mudança de foco, inspirada na estrutura do jogo original, visa oferecer uma compreensão mais profunda das motivações de Abby e das complexidades morais envolvidas.

The Last of Us: enorme decepção, faltou muita coisa

“Convergence” escorrega ao tentar equilibrar a intensidade emocional com a coerência narrativa. A decisão de condensar tantos eventos impactantes — como a morte de Jesse, o confronto entre Ellie e Abby, e o assassinato de Mel grávida — em um único episódio acaba por diluir o peso dramático de cada momento. A pressa em concluir os arcos deixa pouco espaço para o luto e a reflexão dos personagens, o que torna algumas reações apressadas.

Outro ponto criticável é como o roteiro manipula o suspense com cortes abruptos e cliffhangers que soam mais artificiais do que necessários. O tiro final no teatro, que encerra o episódio sem mostrar quem foi atingido, parece uma tentativa forçada de manter o público preso à série, em vez de uma escolha orgânica baseada na narrativa.

Causou-me muita estranheza ver que Ellie, 19 anos, saber pilotar um barco a motor, enfrentar um mar em fúria e, do nada, chegar justamente num ponto da ilha dos Serafitas em que há a líder do grupo, sedenta por sangue. Mais estranho ainda é a líder serafita não ter ordenado a rápida degola da menina, após descobrir que sua vila está em apuros. Mesmo após quase morrer afogada, Ellie pega o mesmo barquinho e vai para outro ponto da cidade, para procurar Abby. E chega lá super de boa. Ahn? Como assim?

Não quero parecer ranzinza, mas o episódio é bem ruim, repleto de incoerências, furos de roteiro e coisas totalmente inacessíveis e contraditórias. Dina não quer tomar um gole de álcool para proteger seu bebê, mas topou ir com Ellie numa missão suicida, no meio do apocalipse, para matar pessoas que elas já sabiam que são super perigosas? Dina tomou uma flechada e, mesmo assim, não só não está gemendo de dor? Como ainda consegue andar e pensa em voltar para Jackson?

Tenho mais argumentos que justificam minha insatisfação. Um deles eu já comentei em outra resenha da temporada, mas faço questão de voltar a ele: meu Deus, que decisão estúpida de Tommy ir atrás de Ellie. Ele abandonou a esposa e o filho pequeno para trás, no fim do mundo, para ir atrás de uma menina mimada e inconsequente. Se eu faço isso e sobrevivo, minha esposa me mata, com razão, no momento de minha volta. É o tipo de coisa totalmente inverossímil em um cenário como o de The Last of Us. Fiquei torcendo mesmo para que Tommy tenha sido morto. Merece.

E inverossímil também, muito duro mesmo de engolir, é o badass Isaac dizendo a Elise que Abby é a melhor opção para liderar a WLF em caso de morte dos dois. E por isso tem que ser encontrada. Sim, Abby, de 20 anos, totalmente inexperiente e que já demonstrou como a cabeça é afetada e impulsiva, Abby, que ficou 5 anos perseguindo o assassino do pai. Por que, cargas d’água, essa pessoa teria comprometimento com a WLF?

Temporada desperdiçada

Esses erros e incoerências do sétimo e último episódio coroam uma temporada desastrosa. Foi profundamente decepcionante ver como a segunda temporada se tornou um drama bobo adolescente. Isso não tem nada a ver com a atuação de Bella Ramsey e Isabela Merced. Tem a ver com roteiro e direção de atores. Tem a ver com decisões ruins, como a de deixar a temporada ser carregada por duas adultas criançonas.

Ellie diz que ela, Dina e Jesse são, agora, uma família. Como assim? Desde quando Ellie entrou para essa família? Como pode Ellie, depois de tudo o que viu, depois de tudo o que passou nesse mundo de estado de suspensão contínuo, ter pensamentos e comportamentos tão ingênuos e infantis? O tom da temporada fica evidente quando assistimos ao ótimo segundo episódio, em que os adultos estão no comando da trama.

Um problema central da temporada, para mim, é a falta de ódio de Ellie. Ela viu Joel ser massacrado e em nenhum momento a temporada mostrou realmente o ódio de Ellie. Supostamente um ódio que a fez tomar atitudes absurdas e egoístas. Como esse ódio não foi devidamente demonstrado, todo o argumento da temporada cai por terra. Deveríamos ver uma Ellie assassina, forte, emputecida do início ao fim, cega para os outros em função de sua perda, mas a temporada resolveu focar tudo em sua relação com Dina. The Last of Us, assim, abdicou de ser uma série adulta para se tornar um drama high school. Uma pena. Resta torcer para que os roteiristas e produtores encarem o fato de que eles estão estragando tudo.

Bruno Leal

Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília. É editor do portal Café História e colabora esporadicamente para o Bonecas Russas.

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